Análise Geral das receitas e despesas realizadas em 2020

Por Leice Maria Garcia

O Portal Diálogos busca contribuir para que cidadãos e cidadãs possam saber mais sobre o orçamento público da cidade de Brumadinho. Isso significa compromisso com facilitar a compreensão sobre como dinheiro chega aos cofres públicos e como é utilizado pela prefeitura e pela câmara municipal. Nosso compromisso é traduzir o orçamento público em linguagem mais simples e facilitar a utilização das informações pelas organizações sociais e comunitárias.

Podemos dizer que os recursos que pagamos formam as receitas municipais. Essas receitas financiam a manutenção dos órgãos públicos e a execução das políticas públicas. Por exemplo, pagam os servidores públicos, as despesas e os investimentos na educação, na saúde, na assistência social, na segurança pública e em tantas outras.

Tecnicamente, as despesas são classificadas em despesas correntes (ações de custeio) e despesas de capital (investimentos, com resultados a médio e longo prazo). Como sociedade civil, a nossa expectativa é que todo recurso público seja usado para a produção do bem comum, com realização de serviços públicos e da implantação de infraestruturas e equipamentos de interesse da comunidade.

Assim, pensando nos direitos que temos, enquanto cidadãos e cidadãs, cuidamos aqui do direito a uma informação clara e fidedigna sobre o orçamento público. Defendemos que por meio do orçamento público podemos compreender o que esperar de produção de bens e serviços voltados à coletividade. É por isso que, para nós, informações orçamentárias precisam ser divulgadas e entendidas por todos nós.

Importante ressaltar que estamos tendo um problema grave de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Acesso à Informação em Brumadinho em relação à transparência. Essas leis exigem do gestor público transparência dos gastos em tempo real. No entanto, somente tivemos acessos aos dados da execução orçamentária no município, em 2020, em final de março. Em relação a 2021, estamos em maio e ainda nada temos de informação da execução do orçamento deste ano. Isso tem afetado a capacidade de o Portal Diálogos trazer as informações sobre orçamento público da forma como precisamos.

Em relação a esse descumprimento legal, algumas perguntas ficam no ar. Por que isso ocorre reiteradamente em Brumadinho? Onde ficam o controle interno da prefeitura, o controle político da Câmara Municipal, o controle institucional do Tribunal de Contas do Estado, bem assim o do Ministério Público Estadual? A sociedade civil precisa contar com o trabalho das instituições públicas para que a participação e o controle social sejam mais efetivos.

ORÇAMENTO 2020: nossa reflexão aqui se dará por meio de três perguntas.

1 – Quanto o município de Brumadinho teve receitas e de despesas públicas no ano de 2020?  O superávit orçamentário de 2020 foi significativo?

2 – Qual a origem da receita orçamentária de Brumadinho em 2020?

3. Como foi o perfil das despesas de Brumadinho em 2020? Quais secretarias contaram com mais recursos?

Ao longo dos próximos dois meses, trazer análises específicas sobre pontos que analistas e/ou parceiros das universidades que cooperam com o Portal Diálogos consideram relevantes.  Também esperamos que muito em breve tenhamos os dados de 2021 para que possamos também refletir sobre eles aqui no Portal Diálogos.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

  1. Quanto o município de Brumadinho teve receitas e de despesas públicas no ano de 2020?

Na tabela 1, podemos ver que a receita pública anual em 2020, ou seja, o dinheiro que chegou ao poder público municipal foi cerca de 329 milhões de reais. Vemos também que a despesa liquidada foi em torno de 328 milhões. Isso significa que gastamos menos do que tivemos de receita. Quando isso acontece, dizemos que houve superávit orçamentário. No caso, o superávit de 2020 foi de RS 896.918,32.

Tabela 1 – Orçamento 2020

ReceitaR$ 329.093.279,01
Despesa LiquidadeR$ 328.196.360,69
Superávit OrçamentárioR$ 896.918,32

Fonte: Fiscalizando com o TCE

Claro que é relevante gastar menos do que se arrecada. Porém, importa perguntar se esse superávit foi significativo? Vamos responder essa pergunta olhando para as receitas e as despesas dos anos anteriores a 2020.

Tabela 2: Evolução Receitas, Despesas e Superávit (2017 a 2020)

Fonte: Fiscalizando com o TCE.

Um primeiro ponto que salta aos olhos é que, nos quatro anos considerados, de 2017 a 2020, o município apresentou superávit todos os anos. Ou seja, mesmo em anos de crise no Brasil, o município de Brumadinho conseguiu arcar com suas despesas. Então somente ter superávit, para um município como o nosso, não significa muito.

A Tabela 2 nos permite mais reflexões. Em 2019, a receita de Brumadinho quase que dobrou em relação à receita de 2018. Esse crescimento se deveu à tragédia-crime da Vale no Córrego do Feijão, conforme identificamos quando analisamos o orçamento de 2019, em janeiro deste ano, aqui pelo Portal Diálogos. Pelos dados deste ano, vemos que a receita de 2020 continua no mesmo patamar da receita de 2019, com aumento de 4.4%.

Em relação às despesas vimos que já tinha havido um crescimento significativo de 2018 para 2019. Aumentou de 157 milhões para 214 milhões (36,1 %). Já a evolução de 2019 para 2020 foi bem maior. A despesa foi para mais de 328 milhões (53%). O efeito desse aumento está no superávit.

Podemos notar que, de 2018 a 2019, houve aumento relativo de superávit em 2.777,5%; já de 2019 para 2020 houve redução relativa do superávit em -11.124,6%. Isso significa que economizamos infinitamente menos em 2020 do que em 2019. Ainda que os números sejam significativos, essa informação sozinha não nos permite dizer muito. Vamos conhecer mais das receitas e despesas para tentar entender o que aconteceu.

  1. Qual a origem da receita orçamentária de Brumadinho em 2020?

Pela Tabela 3, podemos ver que a receita total, no valor de mais de 329 milhões, envolve especialmente receitas correntes (97,5%). Receitas correntes são receitas destinadas a ações continuadas de políticas públicas e manutenção da máquina de governo. Já as receitas de capital são aquelas receitas destinadas a investimento e pagamentos de dívidas, por exemplo.  Deduções, cerca de 26 milhões, são recursos gerados pelo vigor econômico e contributivo do município, mas que, pelo pacto federativo e modelo tributário, tornam-se contribuições do município para as políticas públicas nacionais, especialmente para o FUNDEB.

Tabela 3 – Perfil Receitas

Receitas Correntes346.758.054,87
Receitas de Capital8.708.080,60
Deduções-26.372.856,46
Receitas Totais329.093.279,01

Fonte: Fiscalizando com o TCE

Ainda que seja importante analisar as receitas de capital, nesta análise vamos nos concentrar nas receitas correntes. Pelo Gráfico 1, podemos ver que 73%, ou seja, pouco mais de 253 milhões, decorreram de transferências de outras esferas públicas e de entidades privadas.

Gráfico 1- Perfil Receitas Correntes

Fonte: Fiscalizando com o TCE

Já 25,5% (cerca de 88,2 milhões) são de receitas tributárias (imposto predial e territorial urbano, imposto sobre serviços de qualquer natureza e imposto sobre a transmissão de bens inter vivos). As demais somadas representam cerca de 1,5 %.

Pelo Gráfico 2, vemos que os 253,1 milhões recebidos como transferências estão assim distribuídos: 71 milhões (28,1%) foram de transferências do Estado de Minas Gerais e suas entidades, 65,1 milhões (25,7%) foram transferências da União e suas entidades, 47,8 milhões (18,9%) foram da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM. Já 43,6 milhões (17,2%) correspondem a transferência de instituições privadas.  O restante, de 25,5 milhões (10,1%), foi de transferências majoritariamente relacionadas com políticas públicas (saúde, educação e assistência social).

Gráfico 2: Perfil Transferências Correntes

Fonte: Fiscalizando com o TCE

Nestes dados, precisamos entender, de início, três pontos importantes. Primeiro, o fato de que um volume gigantesco de recurso esteja ligado a transferências de recursos para o município não significa que o município viva de transferência da União e do Estado. A maior parte absoluta dessa transferência é de recursos que cabem ao município, mas que foram arrecadados pela União e Estado, por força do modelo tributário brasileiro. Aqui no próprio Portal, trazemos uma análise detalhada da especialmente Mariza Nunes sobre as receitas e despesas por fontes de recurso. A matéria poderá esclarecer muito sobre esse assunto.

O segundo ponto importante é o total de receitas recebidas de instituições privadas. Em 2019, Brumadinho teve um aumento de quase 100% da receita total, relativamente a 2018, por força de transferências recebidas da Vale. Em 2020, o município esperava receber mais do que havia recebido em 2019. Estimou, na sua Lei Orçamentária, uma receita de R$ 133.987.289,92. No entanto, recebeu cerca de 90 milhões a menos do valor projetado, ou seja, recebeu apenas R$ 43.570.881,78. Isso tem relação com a redução impressionante do superávit de 2020 em relação a 2019.

O terceiro ponto é conhecer como está formado o volume de receitas próprios do município:  impostos, taxas e contribuições de melhoria (cerca de 88 milhões ou 25,5%). Cerca de 86 milhões (97,8%) vêm de impostos, sendo que destes, 70 milhões (81,4%) são de impostos sobre serviços. Isso significa incremento da economia local. Importante ressaltar que a previsão do município era arrecadar cerca de 59 milhões. Então aqui, aconteceu o contrário do ponto anterior, a economia local teve mais aquecimento do que o governo municipal estava prevendo.

Então, resumindo, podemos dizer que o crescimento da receita, no total, foi significativamente menor do que a que o município estava projetando para 2020. A despeito de a geração de impostos no âmbito local ter crescido substantivamente, a frustação em relação às transferências de entidades privadas foi muito mais significativa. E aí podemos entender que, ao prever receitas muitas maiores, a fixação de despesas foi feita em patamares muito mais elevados em 2020, do que em 2019. Isso explica a redução do superávit orçamentário.

No próximo item, vamos analisar como o dinheiro foi empregado e identificar porque o município ampliou a despesa anual em 53,7%. Você já se imaginou ampliando as despesas de sua casa em mais de 50% de um ano para o outro? Pois é, isso aconteceu em Brumadinho em 2020 e precisamos, em futuro próximo, tentar identificar se e como os serviços públicos melhoraram com a despesa.

  • Qual foi o perfil das despesas de Brumadinho em 2020 por área de política pública? Quais secretarias contaram com mais recursos?

Tabela 4 – Despesas por Funções

FunçãoDespesa%
01 – Legislativa10.332.162,063,15
02 – Judiciária2.568.608,040,78
04 – Administração23.788.481,417,25
06 – Segurança Pública00
08 – Assistência Social10.588.355,133,23
09 – Previdência Social1.385.022,750,42
10 – Saúde125.602.356,1338,27
11 – Trabalho47.139,860,01
12 – Educação56.273.686,0917,15
13 – Cultura1.523.081,950,46
15 – Urbanismo68.071.504,9920,74
17 – Saneamento1.559.281,450,48
18 – Gestão Ambiental9.700.501,902,96
20 – Agricultura104.004,790,03
21 – Organização Agrária183.404,400,06
23 – Comércio e Serviços148.375,000,05
25 – Energia5.890.926,021,79
27 – Desporto e Lazer4.795.734,211,46
28 – Encargos Especiais5.633.734,511,72

Fonte: Fiscalizando com o TCE

Em 2020, o Município teve uma despesa autorizada de R$ 408.671.804,07 milhões e apresentou uma despesa liquidada de R$ 328.196.360,69 milhões (80,3%). Despesa liquidada, significa despesa para a qual o poder público atestou o recebimento do bem ou do serviço. Mas atenção, isso não significa que toda essa despesa liquidada foi paga. O governante pode deixar como “restos a pagar” parte da despesa liquidada para ser paga no ano seguinte. No caso, em 2020, a prefeitura deixou em “restos a pagar” R$ 20.682.436,1.

Em termos de áreas de políticas públicas, conforme Tabela 4, podemos ver que as despesas se concentraram majoritariamente em 4 funções do orçamento público: Saúde (125,6 milhões), Educação (56,3 milhões), Urbanismo (68,1 milhões) e Administração (23,8 milhões).  Somente para compararmos, devemos lembrar que, em 2019, as 4 áreas com maiores despesas foram: Saúde (62,9 milhões), Educação (45,7 milhões), Transporte (32,6 milhões) e Administração (20,9 milhões).

Em breve, em matérias específicas, o portal trará análises que auxiliarão no entendimento das razões dessas diferenças, bem assim de outros pontos importantes, tais como: a) vamos analisar os gastos específicos da saúde, educação, transporte e urbanismo; b) nos gastos de saúde, como foi a execução para ações relativas à Covid-19; c) ponderação entre os gastos de custeio e de investimento; d) papel da mineração no orçamento do município.

Pela Tabela 5, podemos ver os gastos por unidade administrativa. As 3 unidades que mais executaram recursos respondem por 74,6% das despesas,

Tabela 5: Despesa por Unidade

Fonte: Fiscalizando com o TCE

As unidades que mais executaram recursos foram em ordem decrescente, conforme mostrado na coluna Valor Relativo da Despesa Liquidada (VR DL): o Fundo Municipal de Saúde (125,6 milhões), a Secretaria de Obras (76,1 milhões), a Secretaria da Educação (53.6 milhões), Secretaria de Administração (12,2 milhões). O restante das secretarias executou 17,8% das despesas liquidadas. Também importa ressaltar que continuam constando na administração municipal unidades que não executam nenhum recurso público, tais como os fundos de habitação social, regularização fundiária, promoção da igualdade racial e Turismo.

Importante empreendermos um diálogo com o poder público para compreendermos como assuntos tão relevantes não tiveram, em 2020, prioridade alguma de aplicação de recursos orçamentários. Da mesma forma, como áreas tão relevantes, como cultura e meio ambiente, tiveram execução orçamentária insignificante. Assim, outro tema para reflexão nossa no futuro próximo é a razão pela qual as secretarias apresentam grandes diferenças entre o percentual entre despesas liquidadas e despesas autorizadas.

A nossa análise geral fica por aqui. E aguardem que, em breve, traremos abordagens específicas para fomentar um diálogo mais fortalecido da sociedade civil com o poder público.

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